O leitor já deve ter experimentado a dificuldade em usar uma palhinha para beber um batido de fruta que ficou demasiado espesso. Essa mesma experiência serviu para John Davis encontrar uma solução para um problema resultante do desastre do petroleiro Exxon Valdez. Quase 20 anos após o acidente havia ainda petróleo na costa do Alasca, na forma de uma pasta viscosa resultante da sua mistura com a água do mar que impedia a utilização de bombas de trasfega. Este problema foi colocado numa plataforma de inovação aberta com a oferta de um prémio para a melhor solução. A maioria das respostas baseou-se em aditivos químicos para liquefazer a pasta mas que aumentariam ainda mais os danos ambientais que precisamente se pretendia combater com a remoção do petróleo. O que fazemos quando o batido de fruta está demasiado espesso? Usamos a palhinha para agitar e assim liquefazer a mistura. De igual modo, a solução proposta por John Davis foi a de juntar um dispositivo para agitar a mistura de petróleo e água antes do seu bombeamento, ganhando com isso o prémio.

Soluções como esta fazem-nos pensar se estamos a aproveitar todo o potencial criativo da humanidade para resolvermos os inúmeros problemas que enfrentamos. As plataformas de inovação aberta são um passo nesse sentido mas que só funcionam quando conjugadas com uma eficaz proteção dos direitos de propriedade intelectual que assegure aos criadores individuais e às pequenas empresas a retribuição adequada da solução face ao valor do problema. Sem isso, a capacidade de criação e inovação não terá reflexo no emprego e no crescimento económico. É à forma de melhorar o sistema de patentes em países em vias de desenvolvimento que se dedica um artigo recente do World Economic Forum (WEF) e que, infelizmente, se aplica também a Portugal.

As patentes foram criadas para promover a disseminação do conhecimento e dar incentivos aos inventores: em troca de tornar públicos todos os detalhes da sua invenção, o Estado oferece ao inventor o exclusivo da sua exploração durante 20 anos. São conhecidos os inúmeros problemas deste sistema, mas não só não se encontrou outro melhor como ele tem demonstrado ser útil para assegurar a remuneração de criadores de tecnologias complexas. Por exemplo, a tecnologia Bluetooth, incluída na maioria dos telemóveis, envolve patentes de cerca de 30 mil entidades, que recebem uma fração do valor de cada dispositivo vendido.

Quando lemos o relatório de 2019 com os indicadores da World Intellectual Property Organization (WIPO) notam-se enormes diferenças entre países no número de novos pedidos de patentes. Dos 3300 milhões de pedidos no mundo em 2018, 1500 milhões são da China, 600 milhões dos EUA, 300 milhões do Japão e 200 milhões da Coreia do Sul. Portugal teve 690 pedidos de patentes, que se comparam com 1100 da Bélgica e 2280 da Suécia, países com aproximadamente o mesmo número de habitantes. No entanto, não é apenas o número de pedidos que nos afasta dos países desenvolvidos: há também uma enorme diferença no número de patentes concedidas. Olhando para os relatórios do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), nesta década temos uma média de 685 novos pedidos por ano; em 2018 foram concedidas 60 patentes e recusadas 168. Na Bélgica foram concedidas 1019 patentes e 1063 na Suécia. Em Portugal, mais de 500 pedidos por ano assumem a forma de pedidos provisórios, cuja grande maioria parece acabar por não se converter em pedidos definitivos.

Os indicadores reportados em Portugal são comuns em países sem um ambiente favorável à inovação, onde os inventores individuais e as pequenas empresas não têm recursos para prosseguir a proteção com o apoio de especialistas. As recomendações do artigo do WEF são três: a criação de especialistas na escrita, registo e defesa de patentes; o financiamento desses especialistas em programas de assistência aos inventores; e o apoio à internacionalização das patentes. As competências necessárias para a escrita de uma patente vão muito para além dos requisitos legais para o seu registo e proteção. A inexistência de peritos locais requer a contratação de especialistas internacionais, com custos proibitivos para inventores e pequenas empresas.

A criação de um ecossistema de propriedade intelectual sofre do problema do ovo e da galinha: não há profissionais porque não há atividade suficiente e não há patentes porque os profissionais são poucos e caros. É nestas situações que o Estado deveria intervir, por exemplo, com um programa de assistência aos inventores financiado com parte das taxas cobradas pelo INPI. Já agora, poderíamos aproveitar para mudar a dependência do INPI do Ministério da Justiça para o da Economia, tal como sucede na maior parte dos países desenvolvidos. Se não fizermos nada, continuaremos a ver o retorno da nossa inovação por um canudo ou, pior, por uma palhinha.

Adaptado da minha crónica no Jornal i de 3 de dezembro de 2019