O dilema do prisioneiro é um conhecido exemplo de um jogo estudado em teoria dos jogos em que dois jogadores racionais não cooperam, mesmo que a cooperação seja o melhor resultado para ambos. Neste jogo, dois suspeitos de pertencerem a um grupo criminoso são apanhados pela polícia na posse ilegal de armas, mas sem provas suficientes para os associar ao grupo. A polícia separa-os em duas salas de interrogatório, dando a cada um a oportunidade de sair em liberdade se testemunhar contra o outro suspeito, condenando-o a uma pena de 10 anos. Se ambos aceitarem testemunhar, cada um cumprirá uma pena de 5 anos. Se ambos mantiverem o silêncio, serão condenados a 1 ano de prisão por posse ilegal de arma. Não é difícil entender que a solução ideal será que os dois mantenham o silêncio, mas o risco do outro testemunhar torna a não-cooperação como a melhor estratégia individual.

Em 1984, Robert Axelrod resolveu organizar um torneio em que pediu a colegas académicos que concebessem programas de computador para jogar repetidamente este jogo. Os programas podiam manter em memória as jogadas anteriores do outro jogador. O programa vencedor, chamado “tit-for-tat” (olho-por-olho), tinha apenas 4 linhas e uma estratégia muito simples: no primeiro jogo mantinha o silêncio (cooperação) e nos jogos seguintes repetia a posição do outro jogador no jogo anterior, ou seja, cooperava se o oponente tiver cooperado no jogo anterior. Na versão do jogo com um número indeterminado de repetições, a cooperação passa a ser a melhor estratégia individual.

Vem isto a propósito do encontro anual da rede CESAER, que reúne 53 universidades líderes em ciência e tecnologia de 25 países, e decorrerá este mês na Universidade Paris-Saclay com uma sessão dedicada à colaboração entre a universidade e a indústria. A equipa que integro irá propor um modelo de maturidade de 4 níveis de colaboração (emergente, projeto, estruturada e estratégica) e apresentaremos exemplos de boas práticas para cada grau de maturidade.

No seu artigo na MIT Sloan Management Review em “Como Criar Parcerias Produtivas com universidades”, Perkmann e Salter (2012) referem que as empresas que não trabalham com universidades estão a perder oportunidades consideráveis. Só em 2017, os 28 países da UE investiram 70 mil milhões de euros em atividades de investigação e desenvolvimento realizadas em universidades (mil e cem milhões em Portugal). Muitos gestores ainda pensam que a transferência de tecnologia tradicional é a única forma de beneficiarem de parte desses investimentos públicos, quando em Inglaterra as empresas gastam cerca de 20 vezes mais nas colaborações com as universidades do que no licenciamento de tecnologia.

Estes autores identificam, também, duas dificuldades na colaboração: a natureza aberta da investigação universitária e o seu foco em desafios de longo prazo. Junta-se o facto da colaboração ser muitas vez realizada de forma ad hoc e segmentada, baseada em relações pessoais, sem estar integrada numa estratégia corporativa. A dificuldade em assumir quer uma relação de cliente-fornecedor quer de parceria, deixa esta ligação no limbo da hierarquia da empresa e sujeita a querelas contratuais sobre confidencialidade e questões de propriedade intelectual. O estabelecimento ou renovação de um contrato de investigação é, por isso, um processo penoso e moroso.

O exemplo de boas práticas que irei apresentar no encontro em Paris é o da Rede de Parceiros do Técnico que define a colaboração estruturada como padrão na relação entre o Técnico e as empresas e que conta, presentemente, com 14 empresas. A contrário das colaborações emergentes e das baseadas em projetos, a colaboração estruturada afasta-se da relação cliente-fornecedor substituindo-a por uma relação de parceria com o alinhamento de interesses entre a empresa e a universidade para oferecer valor aos clientes das duas organizações. Para tal, a parceria deve ter um horizonte temporal alargado e abranger vários de domínios de colaboração.

No caso da rede parceiros, definimos um prazo mínimo de 3 anos e 5 domínios: conhecer os talentos, mais e melhores talentos, acelerador de inovação, responsabilidade social e orientação estratégica. No primeiro incluem-se atividades de ligação com os alunos, como pequenos-almoços com alunos e colaboradores da empresa. No segundo a melhoria dos processos de aprendizagem com, por exemplo, apoios para a realização de teses de mestrado ou doutoramento de interesse para a empresa. A aceleração de inovação poderá incluir projetos, desafios de inovação ou workshops envolvendo investigadores e colaboradores da empresa. Na área de responsabilidade social poderá haver apoios para alunos com dificuldades económicas ou o apoio a programas de voluntariado realizados por alunos. Finalmente, as empresas parceiras são também chamadas a darem o seu parecer na definição de orientações estratégicas do Técnico. O tipo e a quantidade de iniciativas a incluir no acordo com cada empresa definirá o seu compromisso financeiro anual, sendo os detalhes da organização das iniciativa deixados ao critério das equipas do Técnico e da empresa responsáveis pelas mesmas.

As colaborações entre universidades e empresas baseadas em projetos, ou outras iniciativas de curta-duração, resultam frequentemente em períodos de inatividade que conduzem ao afastamento das partes. Mesmo quando há protocolos estabelecidos, estes tendem a extinguir-se por falta de atividade relevante. O objetivo do modelo de colaboração estruturada da Rede de Parceiros do Técnico é o de estabelecer uma base de atividades frequentes entre a empresa e a universidade à qual se podem juntar outras iniciativas ou projetos com diferentes abrangências temporais. 

Tal como os jogadores da versão de repetição indeterminada do jogo do prisioneiro, também as universidades e as empresas beneficiam com a repetição indeterminada de atividades conjuntas.

Adaptado da minha crónica no Jornal i de 8 de outubro de 2019