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As questões legais associadas às novas tecnologias são sempre interessantes. Neste caso trata-se da utilização de gravações da voz de um locutor em sistemas automatizados de atendimento telefónico.

O Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou recentemente um acórdão em que condena a Vodafone Portugal a retirar de serviço quaisquer gravações e locuções com a voz da locutora e actriz Ana Lamy, bem como a não utilizar, reproduzir ou divulgar as gravações e locuções sem prévio consentimento escrito desta. Foi também condenada a pagar uma compensação em dinheiro com um valor de 8113,80 euros por cada ano em que a voz tiver sido usada sem contratualização. As gravações foram realizadas com base num contrato estabelecido no ano 2000 e renovado até 2005 altura em que a locutora escreveu uma carta considerando abusiva a sua futura utilização. A locutora entende que, de acordo com os usos da profissão, todas as locuções têm um prazo de validade de um ano a partir da data da 1ª exibição ou 15 dias após a gravação e que uma vez terminado tal prazo de validade há lugar ao pagamento integral das peças (renovação dos direitos), sendo obrigatória a autorização antecipada do locutor em causa.

O tribunal considerou que o contrato envolve a limitação voluntária de direito de personalidade, designadamente a autorização para uso da voz, que integra o núcleo do direito geral de personalidade e que tal limitação pode ser revogada a todo o momento. Considera que as gravações não podem ser propriedade da Vodafone independentemente do que resultar do contrato e que a renovação dos direitos não foi prevista nem afastada no contrato.

Imagino que a Vodafone irá recorrer desta decisão, mas as questões levantadas são relevantes. A utilização de sistemas de síntese de fala é cada vez mais vulgar: começou nos sistemas de atendimento telefónico, estendeu-se aos de GPS e temos agora os assistentes pessoais automatizados como o Siri.

Quase todos os sistemas de síntese de fala usam ou foram treinados com fala de um locutor, mantendo a fala sintetizada grande parte das características da sua voz. Eu não conheço todos os locutores que deram a voz aos diversos sistemas existentes para português europeu, mas consigo identificar as vozes que se tornaram mais famosas do que os próprios locutores. Estas têm nomes como Amália e Eusébio (Loquendo-Nuance), Madalena e Joana (Nuance), Violeta e Vicente (Voiceinteraction), Celia, Elia e Ester (Acapela), Hélia (Microsoft), etc. A generalização deste conceito de direito de personalidade será certamente um incentivo ao uso de modelos de síntese estatísticos baseados em múltiplas vozes de forma a minimizar o risco de se identificar o locutor na fala sintetizada.

O acórdão pode ser consultado neste endereço:

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/674e2e1656d0350b802579d00036a35d?OpenDocument