A “Great Resignation” (Grande Debandada, numa tradução livre) é uma das consequências imprevistas desta pandemia. O termo descreve o fenómeno global de muitos trabalhadores terem optado pelo despedimento quando foram chamados a voltar a prestar trabalho presencial. Nos Estados Unidos 4,4 milhões de trabalhadores despediram-se no passado mês de setembro, mas este efeito tem-se observado por todo o mundo e terá variadas explicações. Uma será a perceção por parte dos trabalhadores que as empresas com produtos ou serviços independentes do tempo ou da localização terão um maior potencial de crescimento e de oferecer melhores salários. Outra razão estará associada à melhor qualidade de vida que esses trabalhadores tiveram durante o período de trabalho remoto ao manterem-se afastados dos centros urbanos. Em resultado observa-se um maior ritmo de crescimento dos preços das propriedades rurais face às urbanas.

Esta mudança recorda-me Jacinto, a cosmopolita personagem principal do romance “A Cidade e as Serras” que profere a frase que uso como título, numa conversa com o seu amigo Zé Fernandes. O seu palacete no número 202 da Avenida dos Campos Elísios reúne todas as inovações da época: desde um telégrafo no gabinete de trabalho a um elevador para a comida. Eça de Queirós leva-nos numa viagem que parte de Paris, a cidade mais cosmopolita da sua época, até à beleza de Tormes pela qual Jacinto se apaixona e para onde foi viver.

A frase de Jacinto estava certa. Luis Bettencourt, um investigador português atualmente na Universidade de Chicago, comparou o número médio de patentes concedidas com o número de habitantes da cidade de origem. Verificou que uma cidade de dois milhões de habitantes tem 2,4 vezes mais patentes do que uma cidade de um milhão. Este fator mantém-se para qualquer dimensão das cidades: sempre que duplicamos o número de habitantes, o número de patentes por habitante aumenta em 20%. Este acréscimo de escala observa-se em quase todas as grandezas socioeconómicas: o produto metropolitano bruto, ordenados, etc. Já no caso dos custos das infraestruturas, o escalamento é inferior ao crescimento da população. Numa cidade com o dobro dos habitantes, a superfície de estradas ou o comprimento dos cabos elétricos por habitante são 12% inferiores.

As vantagens nos resultados socioeconómicos das cidades maiores parecem ser resultado do maior número de ligações sociais proporcionado pelo maior número de habitantes. Para confirmar, a equipa de Luis Bettencourt analisou comunicações telefónicas em Portugal e no Reino Unido. Em Portugal usaram um período de 15 meses, considerando apenas ligações entre telemóveis que iniciaram chamadas entre si. Os resultados mostram que, por cada duplicação da população da cidade, há mais 12% de contactos telefónicos por pessoa: em 15 meses, um habitante de Lisboa fez, em média, o dobro dos contactos telefónicos da média dos 4.300 habitantes de Lixa.

Esta vantagem da interligação social na produção de resultados socioeconómicos resulta também dos estudos sobre o funcionamento dos ecossistemas de inovação. Por exemplo, AnnaLee Saxenian comparou a evolução dos ecossistemas de Silicon Valley e da Estrada 128 em Boston entre os anos 60 e 90 do século passado. O seu trabalho mostra que a vantagem inicial do ecossistema de Boston perdeu-se no início da década de 80 pela dificuldade na adaptação a novos desenvolvimentos tecnológicos, nomeadamente na área da microeletrónica. A maior dispersão geográfica das empresas e os contratos de trabalho com cláusulas de não concorrência das empresas de Boston impediram a constituição de ligações horizontais entre os trabalhadores, ao contrário do que sucedeu na área da baía de São Francisco. Estas ligações horizontais tornaram o ecossistema mais flexível à mudança.

 A constatação de que a inovação cresce exponencialmente com a população das cidades e que a causa é o maior número de interações sociais levou ao desenvolvimento da ideia de que se pode aumentar a inovação promovendo as interações sociais. As cidades europeias têm criado condições para aumentar as ligações entre os agentes do seu ecossistema de inovação com resultados surpreendentes. A Europa é a região do mundo com mais “cidades-unicórnio”, existindo 65 cidades com pelo menos um unicórnio, uma empresa que os investidores valorizam em mais de mil milhões de dólares. Portugal tem 3 dessas “cidades-unicórnio”. A Europa atrai atualmente 18% do financiamento de capital de risco do mundo. As entidades que dinamizam a ligação do ecossistema variam de cidade para cidade e podem ser a Universidade local, as autoridades municipais ou até empreendedores de sucesso como Xavier Niel em Paris.

O que Eça não refere no seu livro é que o número 202 dos Campos Elísios fica praticamente equidistante do Louvre, da Ópera de Paris, de Levallois-Perret onde se localizava a fábrica de Gustav Eiffel e de Montmartre onde viviam e trabalhavam Degas, Renoir, Toulouse-Lautrec, van Gogh e muitos outros. À mesma distância fica também Neuilly-sur-Seine para onde Eça foi viver em 1891 e onde veio a falecer pois, ao contrário de Jacinto, preferiu a grande cidade à sua Casa de Tormes que só visitou uma vez. Resta-nos saber se as ferramentas de comunicação que dispomos presentemente nos permitem ir viver para a nossa Casa de Tormes e continuar a beneficiar da crescente rede de contactos que nos oferece a vida na cidade.

Adaptado da minha coluna no Jornal i de 21 de dezembro de 2021