Imagine que certa manhã acorda a pensar na forma como acompanhamos séries de televisão. Precisamos reservar um intervalo de tempo relativamente longo para estarmos sentados em frente a um ecrã. Então, porque não beneficiar da disponibilidade dos telemóveis para seguirmos, em pequenos intervalos ao longo do dia, séries concebidas ou adaptadas para serem vistas dessa forma? A adaptação dos conteúdos à dimensão do dispositivo e a sua divisão em pequenos troços poderá exigir alguma tecnologia e esforço adicional, mas não poderá esta ideia resultar numa concorrente da Netflix?

Sabendo que a principal razão para a falência das startups é a falta de mercado para o seu produto, decide usar a metodologia de desenvolvimento de clientes criada por Steve Blank para fazer a validação inicial da sua ideia. Irá, então, entrevistar pessoas que representem os diversos segmentos de clientes do produto para avaliar o interesse neste novo serviço de distribuição de conteúdos televisivos. Diligentemente, faz o guião para a entrevista aos seus potenciais clientes. Começa por explicar, em traços gerais, a sua ideia e prossegue com uma sequência de perguntas: Sente que tem falta de tempo para ver séries de televisão? Acha uma boa ideia poder usar pequenos intervalos de tempo livre para ver séries? Usaria o telemóvel para ver um curto episódio de uma série, enquanto espera para ser atendido ou enquanto viaja num transporte público? Quanto pagaria para ter esse serviço?

Munido deste guião, identifica junto das pessoas que conhece quem poderá representar potenciais clientes, agendando tempo para os entrevistar. Os resultados que obtém são muito promissores, mais de 90% dos entrevistados gostaria de ter mais tempo para ver séries de televisão e acham boa a sua ideia. Mais de 70% gostariam de ver séries enquanto esperam para ser atendidos ou enquanto viajam. Mesmo no custo do serviço, mais de metade pagaria 4 euros ou mais por mês para o ter. Apesar de animado com estes resultados pode, contudo, suspeitar que se devem à pequena dimensão da amostra. Por isso elabora um questionário online com as mesmas perguntas, que divulga nas redes sociais e em grupos de conversa sobre séries de televisão. As mais de cem respostas que recebeu confirmam os dados que obteve com as entrevistas.

É, nesta fase, que resolve entrevistar uma amiga com alguma experiência em validação de ideias de negócio e que ao ouvir, com algum horror, as suas perguntas, sugere-lhe a leitura do livro O Teste da Mãe, de Rob Fitzpatrick. Só mais tarde entenderá a razão do título: o livro ensina a fazer entrevistas de forma que até a nossa mãe nos dê informações sinceras sobre o potencial da nossa ideia de negócio. O desejo de sucesso e a vontade de ser agradável leva a nossa mãe, e muitas outras pessoas, a elogiarem e a darem opiniões positivas sobre hipotéticas situações futuras induzindo em erro o entrevistador incauto. Percebe, rapidamente, os erros que cometeu. Começou por expor a sua ideia, conduzindo o seu interlocutor à suposição de que a confirmação é uma forma de lhe ser agradável. Na primeira pergunta, as respostas positivas provavelmente validam mais a falta de tempo do que a vontade de ver séries de televisão. As restantes perguntas referem-se a questões de opinião sobre hipotéticas situações futuras e não a factos concretos que possam prever futuros comportamentos do entrevistado.

Com base no que leu resolve reformular o seu guião. Deixou de apresentar a sua ideia no início da entrevista e passou a começar com a seguinte pergunta: Subscreve serviços de streaming de séries ou de filmes? Com esta pergunta ficará a conhecer o interesse do entrevistado pelo tema. As questões seguintes passaram a focar-se em factos da vida do entrevistado. O que fez da última vez em que teve de esperar 10 a 15 minutos? Com que frequência tem estes tempos de espera? Com que frequência vê séries ou filmes no telemóvel? Mais do que saber a opinião do entrevistado sobre a sua ideia de negócio, estas perguntas servem para fazê-lo contar fragmentos da sua vida, permitindo verificar se será um cliente para o seu produto. Se isso acontecer poderá então questionar sobre o eventual interesse num produto como o seu. Por fim, decide terminar a sua entrevista com a pergunta: Conhece outras pessoas com quem eu deva falar? O pedido de referências é mais do que a possibilidade de ter mais gente para entrevistar, é a confirmação de que este entrevistado deu suficiente valor à entrevista e ao produto, ao ponto de arriscar a sua reputação junto dos seus conhecidos cujos contactos lhe dará.

Esta mudança de estratégia apresentou resultados opostos aos anteriores. Os potenciais clientes que subscrevem canais de conteúdos têm outras formas de ocupar os seus reduzidos momentos de espera. Os que têm maior número de pequenos intervalos de tempo livre, ocupam-no com conteúdos de acesso gratuito. Estas conclusões rapidamente conduziram ao abandono deste projeto. Ainda bem que o fez, pois a plataforma de streaming Quibi, que prosseguia uma ideia parecida com a sua, fechou em dezembro de 2020, apenas 6 meses após o seu lançamento, em parte devido à desistência da maioria dos clientes após os 90 dias do período de experiência gratuito. Dos 1,75 mil milhões de dólares que recebeu dos investidores ficaram os direitos de programação no valor de 100 milhões que foram comprados em janeiro passado pela Roku.

Fica agora com tempo para iniciar a validação da nova ideia de negócio que entretanto lhe surgiu. Irá começar com uma entrevista à sua mãe.

Adaptado da minha coluna no Jornal i de 6 de abril de 2021