Terminámos esta semana no Técnico mais um curso de curta duração em que incentivámos os alunos a desenvolverem ideias criativas para modelos de negócio. Desta vez foi dirigido a alunos de Direito, incluindo módulos sobre tecnologias digitais para os seus projetos, lecionados pelos nossos professores e investigadores.

Como habitualmente, os problemas que os alunos quiseram abordar caíam na classificação de “manhosos” (wicked problems), ou seja, problemas difíceis de resolver devido aos requisitos incompletos, contraditórios ou variáveis que são difíceis de reconhecer e especificar. Usamos várias metodologias para encontrar soluções criativas para este tipo de problemas, beneficiando da inteligência coletiva dos alunos e recorrendo a ferramentas visuais como telas e notas adesivas (post-its) coloridas coladas na parede ou dentro de ferramentas de colaboração digital, como o Miro.

Nestes processos de ideação usamos notas adesivas (físicas ou virtuais) por duas razões: sumarização e interligação. As notas adesivas obrigam o participante a sumarizar a sua ideia num texto que caiba no espaço disponível e que seja legível pelos restantes membros da equipa. Outra vantagem é que se podem mover sem perder o seu conteúdo, permitindo o agrupamento de ideias semelhantes ou a sua prioritização.

Procuramos mostrar aos alunos que as ideias podem valer por si mesmas, mas frequentemente, têm mais valor quando associadas a outras. O poder da inteligência coletiva usado nestas sessões leva a que ideias disparatadas ou fora do âmbito gerem outras ideias que não surgiriam de outra forma.

A ligação de ideias é há muito usada nos artigos académicos onde os autores reconhecem o contributo de trabalhos anteriores. O estudo da frequência e padrões de citações entre documentos é atualmente utilizado, não apenas para identificar artigos importantes, mas também para destacar as revistas que os publicam, os seus autores e as suas universidades ou centros de investigação.

O valor das ligações está na base do “mapa de conceitos”, uma ferramenta usada para organizar e estruturar o conhecimento. Criado nos anos 70 do século passado, por Joseph D. Novak da Universidade de Cornell, o mapa de conceitos é um grafo em que as ideias estão em caixas (nós) interligadas por setas com etiquetas (arcos). São usados para estimular a geração de ideias ou para a análise de ideias complexas.

Nesta altura deverá estar a perguntar-se qual a relação entre o que tem estado a ler sobre criação e a gestão do conhecimento e o título desta crónica. A resposta é que Zettelkasten é um método de gestão do conhecimento que foi popularizado pelo sociólogo Niklas Luhmann (1927-1998). O método, cujo nome pode ser traduzido por “caixa de fichas”, é inspirado nos antigos arquivos de fichas bibliográficas que sumarizam os documentos do espólio de uma biblioteca. As fichas têm a localização física do documento e bem como o seu título, autor, assunto e data de publicação. O Zettelkasten é uma coleção de fichas contendo um pequeno texto com uma ideia ou alguma informação que foi registada quando aconteceu ou quando foi retirada de alguma fonte, por exemplo, durante a leitura de um livro. Cada ficha contém também meta-informação com referências a outras fichas e etiquetas que descrevem aspetos importantes do texto da ficha. Este método de sumarização e interligação do conhecimento foi extensivamente usado por Niklas Luhmann criando um arquivo de 90.000 fichas que usou na escrita de mais de 70 livros e 400 artigos académicos.

O Zettelkasten foi redescoberto em 2017 no livro “How to Take Smart Notes”, de Sonke Ahrens, e tem sido adaptado a várias ferramentas digitais para tomar e interligar notas tais como Evernote, Notion, OneNote, etc. Os conceitos básicos de sumarização e de interligação poderem ser usados nessas ferramentas, mas com algum esforço para o utilizador. Essas limitações e o reconhecimento das vantagens do método levaram à criação de uma nova geração de ferramentas concebidas de raiz para esse fim. A sua principal característica é a interligação cruzada das notas: sempre que uma nota é referida por outra, é acrescentada na nota original uma ligação para a nota que a citou. Este conceito de ligação de retorno (backlink) facilita a navegação entre as notas. Outra característica é a facilidade de fazer referências, bastando usar o seu título no texto da nota e usar uma tecla para o transformar numa hiperligação. É também comum, poder alterar o título de uma nota e com isso alterar o texto de todas as referências feitas a essa nota. Por exemplo, a nota com o título “Redes” pode estar inicialmente limitada ao conceito de redes de computadores. Ao querer introduzir uma nova nota sobre o conceito de “Redes Sociais” pode fazer sentido renomear a nota “Redes” para “Redes de Computadores” tornando mais preciso não só o título da nota como o de todas as referências para ela. Finalmente, uma característica comum nas ferramentas com este método é a possibilidade de visualizar graficamente a interligação das notas, distinguindo com facilidade aquelas que são centrais das que são periféricas.

Ainda estamos numa fase muito inicial do desenvolvimento destas novas ferramentas tendo a mais conhecida, a Roam Research, sido lançada à menos de um ano. Os principais competidores são a RemNote e a Obsidian, ambos gratuitos para uso pessoal. Para além do preço, um fator de escolha importante é a confidencialidade e a portabilidade da informação. Neste domínio, a Obsidian destaca-se por guardar a informação exclusivamente no computador do utilizador usando o formato Markdown que pode ser lido por diversos programas de edição de texto.

Mesmo sem ferramentas sofisticadas, para beneficiar do método Zettelkasten basta não esquecer os seus fundamentos: a sumarização e a interligação. Para isso, um caderno, uma caneta e um bloco de notas adesivas servem perfeitamente.

Adaptado da minha coluna no Jornal i de 29 de setembro de 2020