Há 6 anos que passo um sábado por semestre no Técnico numa iniciativa denominada de Pitch Bootcamp onde cerca de 200 especialistas de recursos humanos e antigos alunos ajudam 180 estudantes a resumir numa apresentação de 2 minutos todo o seu potencial para um empregador. Sendo responsável pela empregabilidade dos estudantes, estes sábados permitem-me ter uma amostra da evolução dos futuros candidatos e do que valorizam os empregadores.

Esta última edição do Pitch Bootcamp ficou-me marcada por uma estudante do terceiro ano do curso de Matemática Aplicada e Computação. Trata-se de um dos cursos mais seletivos do ensino superior português em que o último aluno foi admitido com uma média de entrada de 18,35 valores. Na conversa com os quatro membros do painel notou-se um incómodo crescente da aluna que terminou num desabafo emocional: como era possível estar com uma média de apenas 13 valores?

Quem, como eu, trabalhou em algoritmos de otimização sabe que a utilização de uma métrica única em problemas com múltiplas saídas impede frequentemente a convergência para o objetivo desejado. O problema que o sistema educativo aborda é a forma de potenciar um melhor futuro ao estudante e o foco na média, como métrica única, conduz à conclusão errada de que a média é o único indicador de competência profissional. Infelizmente, noto que há cada vez mais alunos com esta única métrica de sucesso e que se afastam de qualquer atividade que possa prejudicar esse resultado. Esta parece ser uma consequência natural do método de seleção dos candidatos ao ensino superior que condiciona quase todo o percurso dos estudantes do ensino básico e secundário e que, como veremos, erradamente se mantém na universidade.

Vários investigadores têm procurado identificar métodos de seleção com capacidade de prever o desempenho profissional dos candidatos a um emprego. Frank L. Schmidt da Universidade de Iowa resumiu em dois artigos de 1998 e 2016 os resultados de muitos anos de investigação neste domínio. O método vencedor dos 19 avaliados é o dos testes de inteligência GMA (General Mental Ability) que melhora quando combinado com um teste de integridade ou com entrevistas estruturadas. Infelizmente, os testes GMA são concebidos e aferidos com base em dados históricos que resultam em enviesamentos raciais e de género. Um resumo bibliográfico de Imose & Barber (2015) sobre o uso da média de curso nos processos de recrutamento refere que muitos recrutadores utilizam esta medida em substituição do GMA por ser menos enviesada face à diversidade. Um valor mínimo para a média de curso é, muitas vezes, usado quando o número de candidatos é elevado, mas é reconhecida a dificuldade em usar esta métrica para comparar candidatos de diferentes instituições de ensino superior.

Em 2013 Laszlo Bock, responsável pelos recursos humanos da Google, deu uma entrevista ao jornal New York Times onde falou da metodologia usada pela empresa para correlacionar as avaliações realizadas nos processos de recrutamento com o desempenho dos candidatos contratados. O enorme conjunto de dados da Google mostra que a média de curso, a opinião dos recrutadores e as perguntas de algibeira (“quantas bolas de golfe cabem num 747?”) não têm poder preditivo. A falta de correlação entre a média e o desempenho profissional advém da artificialidade do ambiente académico onde o aluno sabe que o professor quer uma resposta específica. Laszlo Block confirma os resultados de Schmidt sobre o valor das entrevistas estruturadas. Nas entrevistas pedem aos candidatos que falem sobre um problema difícil que tenham resolvido. Ao contarem a própria experiência, os candidatos oferecem informações valiosas sobre a forma como lidaram com uma situação do mundo real e sobre o que consideram ser um problema difícil. Isto vem reforçar a importância do modelo de aprendizagem experiencial que dá esta ligação ao mundo real e que usamos, por exemplo, no ensino do empreendedorismo (ver crónica “Blocos de Lego”, na edição do jornal-i de 22/05/2018).

As próprias universidades americanas estão a alterar os processos de admissão de estudantes. A Universidade de Chicago, terceira no ranking US News com uma taxa de admissão de 7%, anunciou em junho que deixou de exigir os testes padronizados ACT/SAT aos seus candidatos. Um dos objetivos é aumentar o recrutamento de estudantes de baixos rendimentos ou com pais sem formação superior. Os resultados destes candidatos são prejudicados pela incapacidade dos pais em ajudar ou em contratar explicadores na preparação para os exames. A principal causa desta mudança é a disponibilidade de dados e de ferramentas estatísticas que permitem usar um maior número de indicadores para selecionar os candidatos com maior potencial.

Felizmente, calhou estar na mesa do Pitch Bootcamp um antigo aluno meu que deu o melhor apoio possível à aluna: disse-lhe que ele próprio tinha levado mais tempo a concluir o curso e terminou com uma média final pior do que a dela, mas que é hoje membro do conselho de administração da empresa onde trabalha.

Adaptado da minha crónica no Jornal i de 19 de março de 2019